Introdução.
Nesse artigo farei uma análise sobre o filme Herege, baseada nos pensamentos que me vieram enquanto eu assistia ao filme e nas notas tomadas mentalmente, e seguida pela exposição de alguns assuntos que me interessam. Tentarei me ater ao que o filme mostra, mesmo que minhas opiniões não estejam de acordo com a dos diretores de Herege — o que acontece às vezes —, porém com a esperança de que no final a convergência entre a trama, seu sentido e a realidade das coisas seja a mais adeqüada possível. Como toda obra de ficção é uma tentativa de expor da maneira mais verossímil uma experiência possível, creio que muitos frutos podem ser tirados dela, mesmo que esses não contenham em si uma resposta última sobre os problemas das situações expostas.
Indecisão na religião.
Uma das experiências expostas no filme é a da indecisão na religião, onde não se sabe ao certo se a sua crença está de acordo com o que Deus espera de nós. Essa indecisão aparece logo no começo do filme, onde ambas religiosas da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, mesmo que vivendo diàriamente sua religião, não possuem ainda aquela certeza "racional" na verdade de suas crenças. Essa indecisão se patenteará na conversa que têm com Reed, que estudou profundamente diversas religiões e é capaz de provar lògicamente a falsidade de cada uma, pronto para qualquer argumento em contrário — algo para que as duas meninas não estão preparadas suficientemente. Reed é um "mestre da apologética", por assim dizer, enquanto ambas assemelham-se mais a neófitas, pelo menos no que diz respeito à prova das verdades da sua religião. Essa tensão permeará todo o filme.
Experiência.
As duas meninas, no entanto, possuem uma experiência real do que a religião promete a elas, ou seja, esperança, fraternidade, sentimento de pertencimento, sentido da vida e da existência, etc. Uma amostra disso é quando a Irmã Paxton fala sobre a experiência que teve enquanto assistia a um vídeo pornográfico, onde a atriz que participava do filme, quando se vê na situação em que estava — ao ser percebida no ato sexual pela sua vizinha — toma consciência do que está fazendo e se arrepende. Segundo Paxton, "essa é uma prova de como Deus age nas diversas situações", ou seja, é nesse reconhecimento de si mesmo e das suas qualidades inerentes que a pessoa percebe o elemento divino na realidade; o contrário também é verdadeiro: é através da ação de Deus na pessoa que esta expande a própria consciência de si mesma e da realidade, percebendo elementos que antes não percebia, o que a coloca em outro patamar de percepção e de vivência. Essa experiência de Deus é que deve fundamentar a religião, percebendo e tomando consciência da ação divina não apenas na própria vida, mas no mundo como um todo. Como será mostrado no filme, é essa experiência que as reterá na religião — e justamente a falta dela que negará a Reed esse vislumbre do caráter divino da realidade.
Conhecimento passivo vs. ativo, ou experiência vs. raciocínio.
Então acontece o encontro com Reed. As duas irmãs, no intuito de evangelizar, acham-se frente a um obstáculo que não conseguem vencer: argumentos baseados não na "experiência de Deus", mas em fatos históricos da sua religião que desmentem o caráter divino do "mormonísmo". Verdadeiras ou não, as perguntas que Reed faz as desestabilizam, e não encontram outra base para sustentar sua fé senão na experiência pessoal de Deus; apesar disso, a irmã Barnes consegue responder a essas indagações que Reed faz com o intuito de desmentir a religião delas, mas sempre tangenciando o problema real: essa religião é ou não inspirada por Deus? pode-se ou não chegar a Deus através dela? Se não houvesse interrupção, parece que o debate duraria para sempre. Essa falta de conclusão advém da incongruência entre o que é a religião para as irmãs e o que ela é para Reed: para elas, é certa revelação dada por Deus aos humanos para que estes ajam de acordo com a vontade divina — experiência que, segundo elas, foi atestada por fatos em suas próprias vidas —; para ele, uma verdade lógica, irrefutável e "sem furos" que prove silogìsticamente a existência de Deus e o caráter divino de certos modos de agir que, segundo dizem os vários religiosos, foram transmitidos por essa divindade. O primeiro caso é um "conhecimento passivo", onde se chega à veracidade de tal religião pela experiência de Deus que ela diz proporcionar, e, se o faz nos moldes prescritos, tem-se a prova experimental da verdade divina contida nesa religião. Ou seja, a veracidade se dá pelo que se afirma, não pelo que se nega. O segundo caso é um "conhecimento ativo", onde se chega à religião verdadeira pelos meios investigativos, "racionais", lógicos, derrubando uma por uma através de argumentos irrefutáveis que dizem respeito não à experiência proporcionada pela religião, mas às suas afirmações "dogmáticas" e à sua verossimilhança histórica. Dessa forma, a veracidade se dá pelo que se nega, pelo "trabalho do negativo", e não pela experiência divina que a religião oferece a cada um que a segue. Devido tanto à finalidade de Reed quanto à falta de conhecimentos profudos da religião por parte das irmãs, a harmonia entre os dois modos de sondagem (ativo e passivo) não se efetuará, permanecendo como arquipélagos incomunicáveis: a experiência e o raciocínio, a "fé e a razão". Na falta de conclusão, elas são levadas para a segunda sala ("Ato II", poder-se-ia chamar).
Simbolismo.
Como um todo, a casa de Reed possui um aspecto surrealista: não foi planificada para morar, mas para exteriorizar suas idéias. É uma casa subjetiva, por assim dizer. Não sòmente sua estrutura mostra isso (corredores e escadas que dão um aspecto iniciático à casa) como também os objetos presentes na segunda sala, dos quais falarei a seguir. Não creio que cada objeto — e seu significado particular — foi prèviamente pensado, mas ajudam a entender alguns aspectos da mentalidade de Reed.
1. Estátua da deusa Genesha.
Essa estátua possui uma cabeça de elefante e representa a "deusa dos começos", que é "tradicionalmente adorada antes de qualquer grande iniciativa e é a patrona dos intelectuais"1. Faz sentido que Reed, um intelectual que estudou a fundo todas as religiões e está prestes a dar início ao seu grande experimento para desacreditá-las, possua uma estátua dessa deusa logo ao lado da porta de entrada.
2. Estátua da deusa Shiva.
Essa deusa é "freqüentemente representada como a destruidora", e aparecerá como uma "asceta nua acompanhada por demônios, rodeada por serpentes e colares de caveiras", o que remete à "natureza transitória das coisas materiais"2. Ligando-a com a primeira estátua, é como se essa iniciativa de Reed não fosse construtiva, mas destrutiva: visa mostrar o caráter inconstante de todas as coisas, inclusive das religiões nas quais acreditamos. É o começo do fim, por assim dizer — exatamente o que Reed deseja.
3. Estátua de Shiva Nataraja.
Shiva, no entanto, não é "inteiramente uma força destrutiva", mas "uma que é expansiva no seu impacto". Na filosofia religiosa hindu, "todas as coisas devem chegar ao seu fim natural para que elas possam começar novamente", e "Shiva é o agente que traz esse fim para que um novo ciclo possa ter início". Particularmente nessa estátua, em que Shiva está "dançando dentro de um anel de fogo" que "representa o ciclo sem fim da aniquilação e regeneração do universo", sua "mão direita inferior, com a palma levantada e voltada para o observador, é levantada no gesto do abhaya mudra, que diz ao suplicante: “Não tenha medo, pois aqueles que seguem o caminho da retidão receberão minha bênção”", sua "mão esquerda inferior se estende diagonalmente sobre o peito, com a palma voltada para baixo, em direção ao pé esquerdo levantado, o que significa graça espiritual e realização por meio da meditação e do domínio sobre os apetites básicos", seu "pé direito está sobre um anão encurvado, o demônio Apasmara, a personificação da ignorância", e seu "cabelo, o longo cabelo do iogue, flui através do espaço dentro do halo de fogo que constitui o universo". Nessa estátua, que representa "todo esse processo de caos e renovação, o rosto do deus permanece tranquilo, paralisado no que o historiador de arte sul-asiática Heinrich Zimmer chama de "a máscara da essência eterna de deus""3. Nada mais representativo de Reed do que o simbolismo dessa estátua: destruição para um novo começo — nesse caso, destruição da religião antiga para que a "verdadeira religião" apareça —, o caminho da retidão para o recebimento da bênção (caminho do raciocínio), domínio sobre os apetites e realização por meio da meditação (não se deixa levar pela experiência religiosa e adquire a Verdade através do estudo aprofundado), a subjugação da ignorância e, por fim, seu cabelo de fogo que permeia todo o universo (inteligência que abrange a realidade inteira). Como toda analogia, essas servem para conectar coisas dissimilares e estimular o conhecimento (como Aristóteles bem colocou na sua Poética), e não para expor uma relação literal entre os objetos comparados. Tendo isso em vista, elas servem muito bem para entender a personalidade de Reed e o que ele realmente quer com esse seu experimento — o que será, assim espero, mostrado ao longo dessa análise.
4. Shishi-odoshi.
Shishi-odoshi é aquele coletor de água que Reed possui em sua sala. Esse instrumento "ganhou muita popularidade devido à sua conexão cultural com os monges zen japoneses", mas também é usado "em Chashitsu ['casas de chá'] japonesas, consideradas principalmente como um local de cerimônias sociais e adoração", onde "o shishi-odoshi fica na entrada" — como na sala de Reed. Tradicionalmente, "entrando na Chashitsu, deve-se beber da bacia do shishi-odoshi", um ritual que "simboliza o ato de limpeza interna" e "é seguido tradicionalmente pelo começo de uma cerimônia social ou religiosa".4 Não me recordo das meninas ou do próprio Reed terem bebido da água coletada pelo shishi-odoshi, mas como símbolo de iniciação, colocado logo na entrada da sala, faz muito sentido pois as irmãs se purificarão das suas crenças errôneas (de acordo com Reed) e descobrirão, através da cerimônia social e religiosa que se inicia, a "verdadeira religião". Novamente, estou usando essas analogias como instrumentos para explicar certos elementos do filme que me chamaram a atenção, e portanto prestando menos atenção no significado dos objetos como tais do que na sua simbologia no ambiente como um todo, mesmo que para isso a "analogia pura" perca parte do seu rigor.
5. Outros objetos.
Há o ícone de Cristo Pantocrator, com o Evangelho em uma mão e a outra em gesto de bênção, representando-O tanto como juiz quanto como salvador, algo que poderia ser relacionado com Reed — que busca julgar e salvar como Cristo o faz, porém não através do Evangelho em si, mas dos conhecimentos obtidos pela leitura de todos os textos sacros e da "verdade última" obtida através desse estudo. Há também o ícone bizantino de Maria com o Menino Jesus e todos aqueles quadros de deuses que Reed usa para provar sua tese, mas para os quais não encontrei nenhum significado analógico com a trama do filme. O que pode ser dito nesse ponto é que Reed, partindo disso, deveria lògicamente buscar ou uma origem única para todas as religiões (espécie de teosofia), ou a negação de todas elas (pensamento racionalista moderno).
Religião Comparada: a coincidência se dá no mínimo.
Nessa parte o filme traz um tema interessante: Religião Comparada. Apesar da exposição e das perguntas de Reed, comparando a origem e a história de diversas religiões e "provando" sua origem comum, sendo todas meras invenções humanas, a irmã Barnes redargue com uma pergunta fundamental: 'por que você mostra as semelhanças e ignora as diferenças?' Qualquer comparação que se preze não pode considerar apenas os traços semelhantes, falsa abstração que leva invàriavelmente à igüaldade entre todas as coisas, mas, como em qualquer exercício dialético, as diferenças devem entrar como um componente essencial nesse exercício. Além disso, mais importante do que certas diferenças são aquelas fundamentais entre as diversas religiões: o que cada uma busca? o que elas pregam efetivamente? há pontos ausentes em uma que estão presentes em outra? elas abarcam a realidade inteira, ou apenas uma parte? Essas e outras perguntas, que deveriam fundamentar e perpassar todo o estudo de Religião Comparada, não parecem passar pela cabeça de Reed. Comparando estritamente aqueles elementos que se parecem, desconsiderando os diferentes ou mesmo os que se negam mùtuamente, o estudioso (nesse caso, Reed) termina compreendendo não as religiões e suas essências, mas possuindo fatos esparsos e inconexos que atestam o minimum de semelhanças no que foi estudado. A coincidência, verdadeiramente, se dá no mínimo, não no máximo, e a quantidade de semelhanças diminui proporcionalmente à quantidade de religiões — tal como o MMC na matemática. Ao invés de estudar o que caracteriza cada uma, a essência que faz cada religião ser ela mesma, Reed presta atenção justamente naquilo que menos importa e abstrai do todo religioso aquelas partes que mais corroboram a sua tese, ignorando — ou fingindo ignorar — que é precisamente a diferença o que caracteriza cada religião.
Importância das diferênças: finalidade.
Quais diferenças são essas? Aristóteles dizia que a razão de algo existir é a sua finalidade, e é nesta que devemos nos deter para entender as coisas e os seus processos. Vejamos qual é a finalidade de algumas religiões:
Cristianismo: salvação da humanidade (ou "de cada homem", nesse sentido) que se efetiva na eternidade.
Judaísmo: cumprir a aliança que Yahweh fez com o povo judeu (incluindo a vinda do futuro messias, a Era Messiânica, etc.)
Islam: submissão e obediência a Allah, tendo em vista a formação da Ummah (comunidade de todos os que pregam o Islam) pela conquista (feita de diversas formas) da Dar al-Harb ("casa da guerra", territórios não-islâmicos).
Hinduísmo: alcançar a moksha, ou seja, libertar-se da samsara (ciclo de nascimento, morte e renascimento), integrando-se em Brahman (a "realidade fundamental", "existência suprema", "espírito supremo").
Antiga religião egípcia: manter a Ma'at ("ordem cósmica"), a qual permeia toda existência, o que dependerá da nossa relação com a natureza, com a sociedade e com os deuses.
Tendo em vista essas finalidades, qual é a importância de diversos deuses terem nascido ao mesmo dia do ano, possuírem características semelhantes, terem feito em vida as "mesmas coisas" ou ensinado regras, no geral, parecidas? Parece-me que a finalidade da Religião Comparada, apesar do nome, não é religiosa mas estritamente histórica: mostrar semelhanças históricas entre as diversas religiões, sendo por isso uma sub-área da História da Religião e não, como Reed dá a entender, um campo de estudos independente que paira acima e julga (como um pantokrator) a validade das diversas religiões pelo mínimo que há de comum entre elas. Talvez a história da antropologia moderna, que surge com um espírito a-crítico para estudar as diversas sociedades e termina negando o valor maior ou menor de cada uma, ou mesmo a presença de qualquer valor que seja, possa esclarecer qual é o problema da Religião Comparada — que não é de maneira alguma típico ou especial a esse campo de estudos.
A comparação é possível?
Surge a pergunta: é possível a comparação entre religiões, tendo em vista suas finalidades "abismalmente" distintas? Um cristão não busca cumprir os preceitos que Yahweh fez aos judeus, nem estes buscam a formação de uma sociedade islâmica, nem os islâmicos integrarem-se em Brahman, nem os hindús a manutenção da Ma'at. O que comparar, então, e para quê? Talvez a resposta não esteja na comparação entre religiões como tais, com seus mandamentos, sua história, seus dogmas, etc., mas entre as visões de mundo que elas proporcionam a cada indivíduo que as segue e o que fundamenta cada uma dessas visões; não tanto aquela parte da Weltanschauung que diz respeito ao modo de agir do indivíduo no mundo, mas à constituição da realidade mesma (metafísica, portanto). Pois me parece que há elementos de comparação em número excessivamente maior no modo de cada religião expor a realidade e no conteúdo dessa exposição, do que nas diversas partes "materiais" dessas religiões; não proponho e nem espero que haja uma congruência integral entre essas diversas exposições, mas sòmente que, ao prestar atenção não nos seus elementos "horizontais", o estudioso de Religião Comparada (se é que ainda é possível assim nomear esse estudo), atento aos elementos "verticais" possa realmente obter bons frutos do seu estudo. Talvez "Metafísica Comparada" seja um nome mais adeqüado a essa disciplina. Porque, apesar das diferenças materiais entre as diversas religiões, talvez — o que é muito provável — algo sobre a constituição da realidade elas podem conter de valioso; e como isso diz menos respeito a tal ou qual religião do que à determinada metafísica que a constitui, nada impediria que certos elementos metafísicos sejam estudados, interpretados e incorporados em outra religião que não a sua de origem (considerando sempre o limite dessa adeqüação, claro), tendo em vista a abstração "inconsciente" de grande parte da sua materialidade — causa por excelência daquelas incompatibilidades intrínsecas — que ocorre por causa desse estudo metafísico.5
O que Reed estava buscando?
Reed estava buscando a verdade? Nada indica isso. Seu conhecimento não servia para uma causa positiva, mas negativa: a destruição (lembre-se das estátuas) de todas as religiões através da comparação e da tentativa de igualá-las. Assim como ninguém consegue sustentar por muito tempo a afirmação de que todas as religiões como tais são verdadeiras, tendo em vista seus elementos contraditórios, também não poderia crer verdadeiramente que elas sustentam-se apenas pela sua argumentação lógica (apologética), abstraindo dela o elemento divino (como o milagre, do qual já falei em outro artigo6). Infelizmente, esse não é o caso de muitos "pensadores" atuais, como não é o de Reed: ao contrário de buscar uma vivência religiosa legítima, que realmente cumpra a finalidade da religião respectiva, ele busca falhas ou "furos" nas diversas religiões que sirvam para refutá-las e, quando não os encontra, as compara com as demais para mostrar sua "iteração" — revelando assim, segundo ele, sua falsidade e artificialidade históricas. Na crítica integral de todas as religiões — e por que não de tudo o mais? — fica-se com nada, aquele nada niilista e orgulhoso de todos os ateus; incapazes de pensar que talvez — e só talvez! — a origem de determinada religião não seja o homem, negam apriorìsticamente e por projeção infundada a presença de qualquer elemento divino na realidade. Ele torna-se, de fato, a medida de todas as coisas.
O que os personagens queriam?
O que as irmãs queriam? Viver sua religião, e por causa disso estavam quase completamente protegidas dos ataques de Reed. Como um argumento contra sua religião poderia vencer a experiência de serem guiadas efetivamente pelo Espírito Santo? Não falarei sobre a validade dessa sua experiência na minha visão, pois o que importa aqui é o que elas passaram e concluíram disso. As irmãs, elas sim buscavam a verdade, pois estavam abertas à atuação divina em suas vidas e firmes nas verdades reveladas por Deus; contra esse fato Reed só poderia expor fatos, não argumentos — o que ele parece ter "compreendido" na parte seguinte do filme. Essa distinção entre dois planos — o do argumento racional e o da experiência — parece-me um elemento fundamental no trato com qualquer religião, e a harmonia entre eles um fator dissipador de dúvidas e gerador de frutos ricos e ilimitados, utilíssima para a conversão ou "desconversão" em seus diversos sentidos.
Duas portas: falsificação da situação.
Nessa parte Reed, percebendo que não as dominará sòmente pela argumentação, dá a elas duas alternativas (duas portas): a crença (belief) e a descrença (disbelief). Mas, como a irmã Barnes bem afirmou, a situação por si só já está falseada — e está certíssima nesse ponto. Como escolher entre a "crença" e a "descrença" se não são elas que servem de base à religião? Uma "crença cega" não possui firmeza alguma, é uma mera fantasia pessoal, e uma "descrença" pode muito bem acompanhar a religião — ou, como a irmã Paxton enuncia, pode-se "entrar pela porta da descrença sem realmente descrer da religião". "Fé e razão" é uma daquelas dicotomias inexistentes que servem para enganar tolos, pois não há incompatibilidade real entre elas — a não ser na cabeça de Reed, prestidigitador que busca mais enganar do que esclarecer. Nessa situação, a escolha entre as duas entradas realmente importa? Ou não seria, talvez, a destruição o quanto antes desse truque de mágica o que permitiria efetivamente qualquer escolha posterior?
Fé e certeza.
A dicotomia entre "fé" e "razão", como já foi dito, não possui sentido concreto. Fé e certeza, ao contrário, possuem uma ligação indissolúvel que, quando extirpada, provoca a dúvida entre religiosos e o erro entre os seus inimigos. A fé nunca é "cega", ela baseia-se na confiança e possibilita a esperança — e isso não sòmente no campo religioso —, o que pode ser visto na escolha entre as portas, no filme: entrar efetivamente pela via da crença (belief) é menos importante do que ter a crença de que se está seguindo a Verdade, pois, como revelado na cena seguinte, as duas portas levam ao mesmo destino. A situação real não é diferente, o que muda é o modo de cada irmã lidar com ela: poder-se-ia entrar pela via da descrença (disbelief), não acreditando em nada além de si mesmo e no "pressentimento" pessoal de que tudo ocorrerá bem, ou entrar pela via da crença (belief) sabendo perfeitamente — ou seja, com certeza — de que Cristo não abandonará aquele que crê Nele (falo aqui do caso das irmãs), pois nunca o fez e nada indica que o faria. Dessa forma, a fé e a esperança dela decorrente se baseiam em uma certeza que provém tanto do caráter verdadeiro do que se crê, quanto da demonstração desse caráter nas diversas ocasições (intercessão, milagres, etc.). A descrença, sob esse ponto de vista, não descrê de tudo mas pretende se basear em algo mais verdadeiro do que a fé no sentido religioso, o que freqüentemente se prova falso.
Duas portas, mesmo destino, e controle.
O "Ato III" tem início quando as irmãs entram pela porta. A situação, apesar de falsa no seu conteúdo, mostra a sua verdadeira essência: controle. Reed não conseguiu vencê-las nem com argumentos, nem com mentiras, mas apesar disso toda a situação continua tendendo a seu favor, pois a controla "desde fora", e nesse sentido as irmãs parecem-se mais com ratos em um labirinto pré-moldado do que participantes de um "debate religioso"; apesar disso, lutam para manter sua consciência dentro desse "totalitarismo" a elas imposto. Reed, agindo materialmente, não consegue subjugá-las, pois seus espíritos não cedem ante a confusão que as rodeia — como os santos que, ante o martírio, dão a vida e permanecem fiéis àquela fé concreta que sustenta suas inteligências. Elas, dessa forma, fazem jus àquela liberdade da alma humana que não cede às tentações do mundo, mesmo quando tudo parece exigir a ação contrária; nessa situação de controle quase total, mantém o controle de si mesmas e não se deixam envolver pelo pavor gerado pela situação.
Milagre: quem é Deus? Reed.
Reed quer que elas presenciem um milagre mas, como nas ocasiões anteriores, tudo já está planificado: pela sua inteligência tentará provocar, por si mesmo, a atuação divina na situação — sempre a seu favor. Ele não é diferente daqueles que pedem milagres, tal como o Diabo que pediu a Cristo que os fizesse (Mt 47). O que a situação indica é muito claro: Reed quer tomar o lugar de Deus, controlando tudo através da sua própria vontade; negando qualquer possibilidade do elemento divino no mundo, como foi visto anteriormente, ele mesmo — talvez paradoxalmente — tenta usurpar o trono agora vacante. Porque, se Deus é negado, e junto com ele toda a realidade espiritual, o que ainda resta acima do homem? A quem deve ele satisfação? A ninguém além dele mesmo e à sua própria capacidade de controlar a realidade e fazê-la servi-lo. Nada mais conveniente...
Imprevisto, liberdade humana e consciência.
O milagre, no entanto, dá "errado" por dois motivos. O primeiro, é claro, por não ser um milagre mas uma situação forjada, uma espécie de hipnose. O segundo, do qual falarei aqui, por não ter logrado nem mesmo dentro desse "experimento laboratorial" que Reed criou. A mulher que deveria revelar às irmãs visões da vida após a morte, do além, depois de "ressuscitar miraculosamente", termina seu testemunho com esta frase: "Não é real". Referindo-se não a uma tal visão da eternidade mas à situação mesma na qual todas ali se encontram, revela às irmãs o caráter do pesadelo no qual estão inseridas: sua irrealidade. Todo o espetáculo trágico criado por Reed não passa de uma falsificação do real, não apenas no que diz respeito às suas esperanças de "converter" as duas irmãs para o seu culto pessoal, mas também à noção que ele tem do ser humano: um animal que pode ser totalmente controlado. Desmentindo isso, a mulher-oráculo mostra às irmãs que, não obstante sua situação de extrema subjugação, ainda possui aquela liberdade humana de decidir o seu próprio destino; nesse imprevisto, dá provas de que a consciência humana não desfalece ante ataques externos, pois o que a sustenta abrange qualquer vicissitude material. O caráter essencialmente divino do ser humano pode ser visto tanto aqui, quanto na tomada de consciência da mulher no vídeo pornográfico, mencionada no começo do filme e dessa análise.
Improviso: nada pode estar fora do esquema.
Reed, no entanto, não se dá por vencido. Compreendendo que a situação saiu do seu estrito controle, sai pela tangente e engloba a exposição de sua falsidade feita pela irmã Paxton em uma outra mentira, agora improvisada: é a realidade, segundo ele, que "não é real". Continua assim a sua tentativa de ganhar a adesão da irmã que sobrou, ainda descrente da infabilidade da fé no controle, através de uma outra explicação igualmente falsa. Nada foge do esquema, do plano feito para destruir a consciência de Paxton ("acreditará em mim ou nos seus olhos?", diria Groucho Marx), pois o que serve de base para essa ação subversiva não é um conjunto de idéias lògicamente relacionadas, como Reed dá a entender, mas uma praxis que se adapta à cada nova situação — dialèticamente usando os dados a seu favor. Reed é, no fim das contas, um revolucinário que crê firmemente que os fins justificam os meios.
Quem é o Caminho, a Verdade e a Vida? Reed.
'Você quer saber qual é a verdadeira religião?', pergunta Reed pela enésima vez. Mas Paxton já sabe a resposta: para ele, não há religião verdadeira, pois todas elas são baseadas no controle — espécie de profecia autorrealizável. Para ele, o "Caminho, a Verdade e a Vida" é imanente a este mundo e deve ser encontrado aqui; e como julga-se detentor da Verdade última, nada menos esperado do que ele mesmo declarar-se o Caminho por excelência. Controlador de todos, sente-se habilitado a julgar cada escolha dos outros humanos — pois, segundo ele, é exatamente isso o que as religiões fazem —, assim como tirar ou dar a vida a quem a mereça, matando insensivelmente a irmã Barnes e pronto para dar uma vida verdadeira à irmã Paxton: viver controlada, pois tudo é controle. A Verdade, nesse sentido, é quem tem a capacidade de impô-la, independendo do seu conteúdo; considerando sua visão de mundo baseada na força e no consenso, creio que Reed poderia considerar-se um grande discípulo de Carl Schmitt e Kant.
Inferno e condenação.
Depois que a irmã Paxton desce para o subsolo, o "Ato IV" começa. Ela passa por diversas divisões entre portas e corredores até que chega ao ponto mais fundo dessa sala, encontrando-se com Reed e suas "seguidoras" — enjauladas, subjugadas totalmente à vontade do seu deus. Reed tenta convencê-la de que esta (o controle) é a verdadeira religião, mas Paxton não cede ante a sua manipulação e o esfaqueia; ela luta contra o "demônio-deus" e foge desse inferno. Guardando seu livre-arbítrio e escolhendo a Verdade, ela opta por não se condenar, não cedendo à tentação. Pois o demônio tenta vencer-nos através de indicações, de estímulos, de "cochichos" que nos atormentam e levam-nos à escolha errada — ao pecado. Mantendo sua consciência, no entanto, a irmã Paxton age com fé e sabedoria e salva sua alma daquele tormento, regressando à sala anterior — tal como Dante que, depois de descer ao Inferno, sobe novamente (há um quadro da estrutura da Divina Comédia na casa de Reed, o que faz essa analogia não ser muito depropositada).
Verdadeira fé e verdadeiro milagre.
Reed a segue com o intuito de matá-la, pois percebe que de maneira alguma ela cederá aos seus intentos. Depois de esfaqueá-la, ambos caem no chão a uma curta distância, mas agem de modo diferente: ela, ensagüentada, reza para que Deus intervenha para salvá-la; ele, rasteja em direção a ela em uma última tentativa de vencê-la, tal como venceu a irmã Barnes: matando-a. Mas algo inesperado — pelo menos para Reed — acontece: a irmã Barnes volta à vida e mata Reed, para logo depois morrer novamente; ela, diferentemente da mulher-oráculo, ressuscita pelo poder divino que intercede por Paxton ao ouvir sua oração. Não houve controle algum da situação por parte da irmã às portas da morte, mas confiança, fé verdadeira no Deus vivo que lhe prometera exatamente isso ("nada vos seria impossível se tivésseis fé", Mt 17:208). Esse sim foi um verdadeiro milagre, não aquele teatro montado por Reed, o que responde à pergunta anterior sobre qual "crença" baseava-se na realidade.
Conclusão: aquilo deu nisso.
Paxton foge do porão e busca a saída através dessa casa que mais parece um labirinto. Encontrando a porta principal trancada, pula pela janela e consegue finalmente sair daquele lugar (nem sempre o retorno é fácil). Encontrando-se no lado de fora, uma borboleta pousa na sua mão mas logo some, uma referência à parábola do sonho da borboleta (The Butterfly Dream) que Reed conta a ela na expectativa de fazê-la duvidar da realidade. 'Você é um humano sonhando que é uma borboleta, ou uma borboleta sonhando que é um humano?' No final das contas, as irmãs eram das personagens as que mais estavam certas da realidade, pois seus "sonhos" coincidiam exatamente com o real (a fé e crença verdadeiras); Reed, ao contrário, sonhava que era Deus — ou talvez um deus sonhando que era homem? Paxton está a salva do perigo, Barnes deu sua vida pela irmã e Reed está morto. Vivendo e agindo baseadas na fé, as irmãs deram seu melhor e transformaram o mal em bem, apesar da situação caótica e asfixiante em que se encontravam; Reed, crendo na possibilidade de controle total do ser humano, de si mesmo (pela razão) e do outro (pela manipulação), condena-se a si mesmo a perecer submerso na própria situação infernal que criara. Aquilo deu nisso.
Posfácio: o que pensam os diretores?
Nessa parte colocarei algumas idéias e opiniões dos próprios diretores sobre seu filme, as quais encontrei em entrevistas que eles deram.
Segundo Scott Beck, um dos diretores, "o que o filme aborda de forma latente é esta ideia de controle: organizações que exercem controle ao longo dos tempos desde o início da religião."9 Sobre isso, diz Bryan Woods (o outro diretor) que
"a principal coisa a saber sobre o Sr. Reed, e esta é a chave para compreender tudo o que acontece ao longo do filme, é que ele é alguém que passou toda a sua vida tentando descobrir qual é a única religião verdadeira — e finalmente chegou a uma teoria que está tentando provar nesta noite. [...] Ele tem a hipótese de que a religião tem a ver com controle e está testando essa hipótese."
Apesar dessa ânsia de controlar, diz Woods:
"Outra coisa de que falamos muito com o Hugh [ator que interpreta Reed] é que o Reed tem uma espécie de árvore de decisão. As coisas podem correr de um milhão de maneiras diferentes nesta noite e ele tem de estar preparado para cada uma delas. A sua teoria é que ele pode controlar a noite usando as suas idéias e pensamentos, e da mesma forma que um líder religioso como L. Ron Hubbard ou quem quer que seja poderia fazer. Mas as coisas podem correr mal a qualquer momento."10
Sobre Reed:
“[...] as missionárias sentam-se com o Sr. Reed e ele abre a boca e percebemos que se trata de um tipo com um QI de gênio, que sabe tudo sobre todas as religiões [...]”. E: “[elas] entram na casa deste homem e não sentem perigo, e talvez haja momentos em que sentem um pouco de perigo, mas depois são puxadas para trás e levadas a esta complacência porque há este tipo [de pessoa] que é realmente encantador e desarmante, mas depois ele tem de aumentar as coisas, em cinco graus aqui... ao ponto de ser totalmente 180 graus no final [...]”11
Ainda:
“[...] este filme foi concebido especificamente para abordar todos os aspectos da religião e da crença, e falamos sempre que é como dizer as partes silenciosas em voz alta, como se quiséssemos ser capazes de transmitir pelo Sr. Reed e por alguém que é ostensivamente a personagem vilã do filme, mas que apresenta alguns pontos muito convincentes [...]”
Sobre o filme em geral:
“o filme é uma peça de câmara [https://wonderfulcinema.com/chamber-piece-definition/], são três personagens a falar, mas quisemos rodear o cenário com outras personagens, um conjunto, por assim dizer, sinistro, como a água da chuva a sair pelo teto e o contorno de uma figura por detrás das costas das meninas, e fazer todo o possível para que o espaço parecesse claustrofóbico e arrepiante.”12
E:
“[...] o filme torna-se mais louco a partir daí, à medida que entramos cada vez mais fundo na casa, mas foi uma experiência divertida construir e conceber esta casa que é quase como uma espécie de Fita de Möbius13 e talvez um pouco como uma Ode ao Inferno de Dante.”
Sobre a casa:
“[...] adoramos a ideia desta casa que evolui à medida que a história evolui e nunca temos a certeza do que vamos receber [...]”14
Sobre as personagens, diz Woods:
"Ao colocar duas jovens mulheres para conversarem com o Sr. Reed, e ao vê-lo subestimá-las, ao ver como são inteligentes, e ao ver também a profundidade que têm e que talvez não esperemos. Isso foi interessante para nós".
E:
“Falar com Hugh sobre os seus sentimentos em relação ao ateísmo e fazer parte — talvez seja uma comparação demasiado extrema —, mas fazer parte da linhagem de pensadores ateus britânicos[, que] foram inspirações para este papel, pessoas como Richard Dawkins e Christopher Hitchens.”
Sobre a idéia por trás do filme (ou "argumento", no teatro):
"Quanto mais velhos ficamos, acho que abraçamos a viagem e o mistério de não sabermos o que acontece quando todos morremos. Acho que isso é algo que se está a tornar bonito. Mas, durante muito tempo, foi um medo nosso [dos diretores], e acho que é um medo de todo mundo. Acho que é um medo natural, "o que acontece quando morremos". É uma ideia muito assustadora. E é possível argumentar que existem tantas religiões no mundo porque as pessoas têm tanto medo da morte, e a religião pode ser um antídoto para esse terror que todos nós temos."15
E:
“E depois damos-lhe — de forma intencional — esta resposta dececionante que, para nós, é obviamente uma metáfora de alguns dos nossos sentimentos sobre a crença e de como queremos estas grandes respostas de todas as religiões, e a questão do tipo: "Mas será que elas fornecem realmente essas coisas mágicas que queremos que sejam?" É com essa questão que estamos a trabalhar ao longo do filme."
E:
“99% das pessoas só conhecem o Monopoly e há algo de interessante em desenterrar as suas origens, bem como as origens da religião.”16
E:
“Há também um fascínio pelo culto, a idéia do culto do NXIVM17 com a cientologia e todas essas infraestruturas que ditam a forma como as pessoas acreditam e, por vezes, não investigamos por que é que acreditamos naquilo em que acreditamos até mais tarde na vida, e isso é sempre um fascínio que temos.”
E:
"Houve um grau em que abordamos isso com um espectro que vai da não-crença à crença e às diferentes instituições que representam-se através da visão das personagens como Paxton, Barnes e Reed, que representam diferentes versões de nós próprios, mas também diferentes versões de onde as pessoas estão na sua relação com a religião. Reed é mais anti-religião, mas temos a Paxton que aceita as coisas pelo que vê e a Barnes que pressiona as coisas e as testa. De forma sutil, tentamos encontrar formas de ligar o público a cada uma dessas personagens de uma forma relacionável."
E:
“[...] poder explorar a sua [das personagens] base de conhecimentos, quer dizer, penso que ela é mais vasta do que a nossa própria base de conhecimentos, mas fazemos o nosso melhor para investigar e retratar as coisas, porém quando temos alguém que realmente viveu essa vida, é aí que a verdade realmente aparece.”18
Com essa exposição, pretendi mostrar que as idéias dos diretores sobre o filme não se encontram tão longe da análise que fiz — apenas aprofundei certos pontos que pareceram-me interessantes. Espero que esse texto possa clarificar alguns elementos de Herege que abordei e estimular o desejo pela Verdade dos que o leram.
Notas:
1 https://www.britannica.com/topic/Ganesha
2 https://www.thebuddhagarden.com/shiva-hindu-god-destruction.html
3 https://library.achievingthedream.org/sacartappreciation/chapter/oer-1-18/
4 https://www.bamboo-inspiration.com/bamboo-fountain.html
5 Sei que já existem desenvolvimentos nesse sentido, como os trabalhos de Frithjof Schuon, Seyyed Hossein Nasr, Guénon, entre outros. Não pretendi apresentar uma "nova interpretação" desse campo de estudos, mas sòmente mostrar o caráter problemático tanto do seu nome ("Religião" Comparada) quanto dos diversos modos de abordar esse tema (como comparar partes de religiões, como Reed faz, sem nunca chegar no "todo").
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7 https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-matos-soares-1956/sao-mateus/4/
8 https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-matos-soares-1956/sao-mateus/17/
9 https://www.polygon.com/horror/476025/heretic-directors-interview-religion-politics-state-of-america
10 https://gizmodo.com/heretic-spoilers-interview-hugh-grant-beck-woods-2000520468
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13 https://pt.wikipedia.org/wiki/Fita_de_M%C3%B6bius
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15 https://www.polygon.com/horror/476025/heretic-directors-interview-religion-politics-state-of-america
16 https://gizmodo.com/heretic-spoilers-interview-hugh-grant-beck-woods-2000520468
17 https://en.wikipedia.org/wiki/NXIVM
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